Entrevistas • Carlos Pereira
Carlos Pereira
Carlos Pereira é professor associado na Universidade de Paris III Sorbonne e linguista associado ao laboratório do Instituto de Primatologia da Universidade de Quioto. Em paralelo, é também presidente fundador do Instituto do Cavalo e da Equitação Portuguesa, professor de equitação e diretor do Programa Internacional de Equinologia na Universidade de Sorbonne Nouvelle e Universidade de Quioto. O seu interesse por equídeos resultou em vários estudos sobre as capacidades cognitivas destes animais, assim como sobre o papel dos asininos e muares no comércio da Península Ibérica, da Idade Média ao século XIX.
Como surgiu a ideia de dedicar um estudo ao burro?
Realizei este estudo há alguns anos para compreender melhor a riqueza das raças autóctones em Portugal. Sempre tive uma paixão por burros com pelo comprido, ou seja, os Baudets du Poitou (Burros de Poitou), e por isso sempre procurei participar em vários workshops pedagógicos na Asinerie du Baudet du Poitou. Além disso, queria também estabelecer as semelhanças entre as várias raças de burros com pelo comprido, incluindo o Burro de Miranda. Foi uma experiência memorável estudar os Burros de Miranda em 2008 no berço da raça, o Planalto Mirandês.
Entre as descobertas que fez ao longo deste estudo qual foi a que mais o surpreendeu?
Fiquei fascinado com o papel estratégico dos burros no comércio internacional entre Portugal e as suas colónias ultramarinas. A conquista da América Latina e do Brasil foi possível graças às caravanas de burros e mulas. Aprendi muito sobre as leis que regem a criação de burros e especialmente as leis anti-mulas na Península Ibérica. Foi assim que percebi a dinâmica da criação dos equídeos pelos Portugueses.
O Burro de Poitou, o Burro de Miranda e o Burro Zamorano-Leonês partilham características fisiológicas e a mesma subespécie (de origem europeia). Em que medida estas duas raças ibéricas foram importantes na recuperação da Raça de Poitou?
Os primeiros estudos realizados sobre a raça Baudet du Poitou mostram que os franceses importaram certamente Burros de Miranda para melhorar esta raça. As semelhanças entre as três raças são óbvias. Penso que os caminhos para Santiago de Compostela permitiram a expansão da raça, sendo que o fator ecológico não deve ser subestimado porque estas três raças se encontram em paisagens e biótopos bastante semelhantes, ou seja, em "terras frias". Os intercâmbios entre as raças são evidentes, devendo ser melhor suportados com análises genéticas.
Presumimos que, durante o período dedicado a este estudo, tenha tido vários contactos com estes animais. Há algum episódio curioso que nos queira relatar?
A melhor experiência que tive foi a treinar um Burro de Miranda chamado Porto, oferecido pela AEPGA- Associação para a Protecção do Gado Asinino. Fiquei convencido pela robustez da raça, a sua agilidade e a sua docilidade, fazendo dele um excelente animal para trabalho de campo, muito dócil e reativo. Participou em vários eventos culturais em França, entre os quais o Festival do Cavalo de Paris em 2012, onde todas as raças de cavalos portugueses estavam presentes: o Garrano, o Lusitano, o Alter Real, o Sorraia. Foi a primeira vez que todas as raças portuguesas de equídeos estiveram reunidas no estrangeiro! Adoro este animal muito elegante e gostaria de aprofundar as minhas investigações científicas ao nível etológico e cognitivo.
Recentemente tem-se dedicado a estudos que envolvem uma melhor percepção das capacidades cognitivas dos equídeos. Pode explicar-nos um pouco melhor este conceito?
Trabalhei com a primatóloga Cláudia Sousa, que participou com Miguel Nóvoa no congresso internacional "O animal no mundo lusófono", em 2011, e, graças à sua ajuda, apresentei um trabalho relacionado com cognição de cavalos assistido por computador chamado "Touch Panel". Este estudo foi realizado na Universidade de Quioto, no Primate Research Institute. Em 2015 publicámos na famosa revista científica online Biology Letter um estudo que mostra que o cavalo podia passar alguns testes cognitivos similares àqueles realizados com chimpanzés. Este trabalho de semiótica cognitiva induziu-me a estabelecer um novo paradigma em torno da teoria geral da evolução da linguagem dos seres humanos e dos animais. No dia 3 de Março de 2019, criámos uma nova disciplina: Equinologia. Assim, propomos um programa único em Portugal, França e Japão com a Sorbonne Nouvelle e a Universidade de Quioto, que pode ser consultado aqui: http://www.univ-paris3.fr/programme-recherche-equinologie-545873.kjsp?RH=1505727285324
E seguido na página de facebook : https://www.facebook.com/equinologie/
Tendo Portugal uma relação histórica com os equídeos, que conselhos nos pode transmitir das vantagens da vivência com os equídeos e como podemos reverter a diminuição do número destes animais na Europa?
Durante os últimos 20 anos, os vários trabalhos que realizei levam-me a afirmar que a Equinologia (em ligação com a Primatologia), deverá ser uma disciplina científica que reúna três grandes eixos científicos principais: o estudo dos comportamentos sociais na Natureza; o estudo da cognição em laboratório; assim como o estudo das interações humanas e equinas, constituindo-se assim um meio original muito poderoso para aprender mais sobre o mistério da linguagem humana e não-humana. Consequentemente, o sistema educativo nacional deverá investir em programas que terão como tema de estudo os equídeos. O homem deverá trabalhar em novas formas e usos com animais como suporte vivo. O regresso à ecologia é uma realidade urgente, tendo os governos da Europa um papel fundamental na promoção ativa do regresso de determinadas raças ao campo e às cidades. Burros, cavalos e híbridos são pontes entre a Natureza e a Cultura, entre o Homem e a Vida Selvagem, sendo a equinologia um instrumento importante para compreender as relações humano vs animal vs ambiente. O Papa Francisco deseja criar um pacto educativo mundial e deseja um novo paradigma! Proponho o cavalo e o burro, os dois símbolos de Cristo. O burro simboliza Jerusalém Terrestre e o cavalo simboliza Jerusalém Celestial. Estes dois animais formam a unidade entre o Céu e a Terra, na cultura portuguesa isto chama-se Quinto Império! Este é o novo pacto educativo mundial do Papa. Proponho a união de todas as forças que trabalham para os equídeos a fim de criar um novo mundo!
Para mais informações : equitationportugaise.com