AEPGA

 

Contributos dos asininos para as comunidades humanas: o caso particular de Trás-os-Montes

A domesticação do burro (Equus asinus) ocorreu há aproximadamente 5.000 anos, numa área que corresponde ao actual Egipto, mudando para sempre a história da humanidade. A utilização dos burros enquanto animais de carga e de sela transformou comunidades isoladas e sedentárias em sociedades mais móveis, com capacidade para realizar trocas comerciais e com raios de acção muito mais amplos. Não obstante a importância dos burros advir principalmente do seu aproveitamento utilitário, e frequentemente em contextos de pobreza económica, no passado, os burros foram associados a mitologias e a um elevado estatuto social, reveladores do seu papel em algumas antigas civilizações. Investigações recentes demonstraram que a presença dos burros na Península Ibérica poderá ter ocorrido apenas 750 anos após a sua domesticação,i.e., há 4250 anos, no entanto ainda se especula se o exemplar encontrado seria doméstico ou selvagem. Tenha sido este o momento da introdução dos asininos na Península Ibérica, ou outro posterior através de Fenícios ou Romanos, a importância da sua criação para as comunidades rurais portuguesas é inquestionável, como atesta a legislação específica que vigorou desde a Idade Média até ao fim do séc. XVIII.

Com uma história ainda hoje pouco clara, mas provavelmente intimamente relacionada com as raças asininas Zamorano-Leonés e Baudet de Poitou, o Burro de Miranda, foi um animal determinante para a economia rural do Nordeste Transmontano. A produção mulateira para as antigas colónias portuguesas e para a produção do vinho do Porto, a sua aptidão para trabalhos agrícolas em regime de minifúndio, e a sua capacidade enquanto animal de sela e de carga, garantiram que a sua produção não cessasse desde a Idade Média até ao início do século XXI.

Há 20 anos, foi constituída a associação AEPGA – Associação para o Estudo e Protecção do Gado Asinino, com a missão de preservar o Burro de Miranda e todo o património cultural e ambiental que lhe está associado. Desde então, através de eventos culturais, visitas guiadas aos centros geridos pela associação e passeios na Natureza, o burro conseguiu aproximar o meio rural do urbano, proporcionou experiências inesquecíveis para voluntários do mundo inteiro e trouxe momentos terapêuticos para pessoas com necessidades especiais. Actualmente, está também a ser testada a capacidade de grupos de burros na gestão da paisagem, seja através da redução da densidade de manchas de matos, ou na reconversão de lameiros degradados.

Apesar dos avistamentos de burros a trabalharem em parcelas agrícolas ou a transportarem pessoas pelas vias do Nordeste Transmontano serem cada vez mais raros, o burro continua a ser um companheiro fundamental nas vidas de muitos idosos do Planalto Mirandês, dando-lhes o sentido de uma rotina diária. Estes animais permanecem como um elemento chave para esta região, cuja importância foi e terá obrigatoriamente de ser continuamente renovada.
Miguel Nóvoa; AEPGA - Associação para o Estudo e Protecção do Gado Asinino

Referências:
Kimura Birgitta, Marshall Fiona B., Chen Shanyuan, Rosenbom Sónia, Moehlman Patricia D., Tuross Noreen, Sabin Richard C., Peters Joris, Barich Barbara, Yohannes Hagos, Kebede Fanuel, Teclai Redae, Beja-Pereira Albano and Mulligan Connie J. 2011. Ancient DNA from Nubian and Somali wild ass provides insights into donkey ancestry and domestication. Proc. R. Soc. B.27850–57. doi.org/10.1098/rspb.2010.0708

Bough, J. Donkey. 2011. Reaktion Books
Cardoso, J.L., Vilstrup, J.T., Eisenmann, V., Orlando, L. 2013. First evidence of Equus asinus L. in the Chalcolithic disputes the Phoenicians as the first to introduce donkeys into the Iberian Peninsula, Journal of Archaeological Science. doi: 10.1016/j.jas.2013.07.010.

Pereira, C. 2007. Contribuição para o estudo das origens da raça do burro de Poitou: o comércio de burros e mulas entre a região de Poitou e a Península Ibérica, em particular com Portugal, desde a Idade Média até ao final do século XIX. Universidade de Paris III Sorbonne